Anna Traiano

Carta à minha saudade

Hoje senti tua falta.
Saudade é fogo que queima
Devagar,
Tormento suave que dói,
Mas não mata,
Angústia do nunca mais
Ou quem sabe,
Um copo de vinho
Que tomo sem pressa,

E vicia a alma
E alimenta a vida.

Saudade, veneno manso
Que corrói,
Passado que foi e não sei
Se será,
Dorzinha no fundo da alma,
Que alegra,
Lembrança feliz
Que não perco de mim
Que me ajuda a sonhar.

Por isso me apresso
A olhar teu retrato,
Pra que não me fuja da mente,
E do olfato
Tua imagem, teu cheiro e
Aquela lembrança
Que me dá tanta saudade,
De um tempo feliz,

Que foi,
De fato.

Despertar

Quando a menina acordou

Olhou-se no espelho.


Chorou.


Então,

Passou a maquiagem,

Escondeu as marcas do tempo,

E fingiu que não acontecera nada.

Por um Triz


Basta uma hora
Pra escrever um poema,
Pra contar uma história,
Pra mudar um destino,
E enfrentar um dilema,
Pra fazer uma mala,
Pra deixar uma carta,
Basta uma hora...

Basta um minuto,
Pra nascer ou morrer,
Pra cantar um refrão,
Pra virar uma esquina,
Pra esquecer a canção,
Pra mudar um destino,
Pra salvar ou matar,
Uma vida, um amor,
A esperança...
Basta um minuto...

Basta só um instante
Pra quebrar o cristal,
Desmanchar um castelo,
Revelar um desejo,
Pra fazer uma foto,
Pra mudar um destino,
Pra encontrar um final
Que combine,
Que rime
Com o meu.

Basta um instante.

Pura Sabedoria

A vida social nos transforma em seres não pensantes, que dependendo da situação em que se encontram, repetem as mesmas frases feitas para cada ocasião. É claro que é mais fácil dizê-las pois assim não precisamos pensar ou até mesmo elaborar um discurso próprio, mas o fato é que elas vem rechedas de falsidade ou pelo menos de falta de sinceridade na maioria das vezes. E quantas vezes nos colocam em situações patéticas que só percebemos depois que a pérola já foi dita...
No enterro:
- Meus sentimentos... ele era um homem tão bom...
Que tal se pudéssemos dizer:
- Que pena que ele morreu sem ter conseguido corrigir o vício da bebida. E olha que eu o avisei tantas vezes... Mas o homem era teimoso que nem um burro empacado... Apesar de tudo ele tinha suas qualidades. Quem sabe agora ele sossegue.
Ou então:
-Morreu cedo mas aprontou bastante!
Gente, não adianta fingir que o morto era um santo e que a partir de agora foi anistiado de todos os seus defeitos. Mas falar mal de morto é muito arriscado porque afinal ele não está entre nós para se defender...

Mas e quando um vivo fala de outro por trás e o dito cujo também não está presente? Aí pode, só porque o coitado ainda não foi desta pra melhor... Pura falsidade.

Sou médica. Chego ao CTI e encontro meu paciente intubado, cheio de soros e antibióticos, respirando com máquinas, impossibilitado de falar, de se mexer e de me mandar para aquele lugar, quando então eu alegre pergunto:
- Tudo bem?
Será que eu não sei a resposta certa? Mas quase todo dia me pego na mesma besteira...

Se encontramos uma amiga que está gorda como nunca a nossa lida social manda que digamos:
- Oi querida, como você está bonita. Parece mais jovem!
Mas poque não dizer a verdade e o que pensamos que poderia ser muito mais útil para ela:
- Você não acha que seria bom perder um pouco de peso? Você ficaria muito melhor. Conheço um ótimo endocrinologista, quer o telefone dele?

Todo neném é lindo. Mentira. Tem cada neném que é realmente assustador, mas aí temos que exercitar a caridade...

E as crianças sem educação? Os gêmeos entram na sua casa e começam a destruí-la antes mesmo que você possa salvar aquele vaso de estimação que ganhou de casamento. Então em a frase típica:
- Suas crianças são lindas, e que energia, hein?
O certo seria dizer o que se pensa de verdade naquele momento:
- Será que você mãe e você pai não estão vendo que os seus filhos estão quebrando toda a minha casa, o que além de ser a maior falta de educação, me tira todo o prazer de receber a visita que vocês infelizmente inventaram de me fazer hoje? E vocês, suas crianças-monstros, parem agora mesmo senão vou colocar vocês pra fora daqui.
Faça-me o favor, eu já não tenho mais paciência para certas situações e algumas vezes já chamei a atenção de criança dos outros sim. Se gostaram ou não eu não sei, mas eu também não estava gostando nem um pouco da coisa!

E então, depois desta pequena reflexão, para continuar vivendo em sociedade, falsa sociedade de gentis inimigos, para não ser mais chamada de velha rabugenta pela minha filha adolescente, continuo mentindo educadamente, polidamente, solenemente!

O último minuto

Pensei que a vida fosse acabar agora
ou antes, quando de mim se perdeu
o sonho ardente que revive e envolve
A luta tensa do meu pranto em mim.

Quantas lágrimas, quantas derrotas,
Pra que deixar vida passar assim,
Perdi o jeito de viver sem medo e, quem sabe,
feliz sem ser ao lado teu.

Inútil tentar...

Não temo o último dia,
Nem o minuto que encerra o canto.
Faço do veneno doce acalanto
Da alma que sofre, que chora, que perde
Que grita a derrota, que lamenta a farsa,
E pede apenas sua parte da vida,
E que não vai desistir agora,
Nem nunca, do amor.

Desse sabor eu já provei bastante:
amargo, sereno, fugaz...

Bebo no cálice dourado,
No cálice calado
Calada, em paz.

Outono

Assim,
Só comigo estou,
Vida que foi,
Perto de mim está o sol...

Sinto agora,
Paz no amanhecer,
Ponto de luz,
Clareia a escuridão que quer me vencer...
Mas a noite,
Não me assusta como então...
E a lua toca a palma da minha mão...

Não vou deixar passar o sol,
Sentir a brisa, a chuva e o mar...
Vento que atiça o sonho,
Sonho que vira onda,
Estou na vida pra viver...

Vida que insiste em ser feliz,
E é só o que precisa ser...
Não troco paz por pouco,
Não deixo mais meu canto
Silenciar por outro...

No infinito,
Está o azul que enfeita
O meu sorrir.
Vou buscar,
Eu preciso ir...

Venda do livro

Meu livro encontra-se à venda na Livraria Cultura. Quem puder prestigie! É uma ótima livraria com entrega rápida.Compro lá pelo site há muitos anos com muita segurança.

Realidade

Sonhar com a vida não basta.
É preciso atentar ao minuto,
Que corre e escapa,
Mas deixa a marca
Do tempo,
Na retina, na pele,
Na lida da vida
Perdida, que passa.
Encontro meu tempo e traço
Caminho,
Em teu caminho me enlaço,
Que a vida não espera,
Me leva
De ti ou contigo.

Eu faço, não sonho.

Repente da Rotina

Vou te contar uma história
Que, de fato, é bem comum,
Pra que fique em tua memória
Sem querer de jeito algum
Desanima-te da busca
Nem parar tua procura
Daquele amor que ofusca
E te faz cometer loucura.

João conheceu Maria,
Maria conheceu João,
E a vida que parecia
Não ter nenhuma emoção,
Ficou assim colorida,
Diria eu cor-de-rosa,
Ela toda derretida,
Ele amando em verso e prosa,
Se declaravam sem medo,
Sem limite e com paixão,
Não tinham nenhum segredo
E tiraram os pés do chão.

Nada mais lhes importava,
Bastava apenas o amor,
Quando ele lhe falava
Das margaridas em flor,
Ela encantada dizia
Que tinha toda a razão,
E tudo o que ela fazia
Era certo, sem discussão.

Então casaram-se um dia
Maria casou com João,
João casou com Maria
Juraram eterna união.
Era como numa poesia,
Lindo dia de primavera,
Era tudo o que ela queria,
Ele sempre assim quisera.

Chegaram os filhos e junto
As contas para pagar,
João ficou sem assunto,
Maria sempre a trabalhar.
Perderam a cerimônia
De se tratar com doçura,
Viviam com parcimônia,
A vida ficava dura.

O tempo passou voando
E vinte anos depois
Quem os viu namorando
Não reconhecia os dois.
As coisas que ele fazia
Eram erradas, certamente,
João dizia que Maria
Era pior que uma serpente.

Outrora quando chovia
João se punha a cantar,
Pois assim ele poderia
A sua amada abraçar.
Agora, se chove um pouco,
João logo anuncia
Hoje vou ficar louco
De olhar pra cara da Maria.

Amar é de fato uma sina,
Te alerto deste senão,
Se liga, linda menina
Cuidado, meu garotão,
É inevitável a rotina
Não me pergunte a razão.

Carta a uma mãe que não pude ter

A você, mãe,
Formoso rosto de uma antiga foto,
Imagem evanescente que se escoa a cada dia
Do papel que te vejo,
Escrevo esta carta de amor e de saudade.
A você, que não pode estar comigo quando me tornei mulher
Nem pode ver os tristes olhos de teu mais doce tesouro
Crescerem,
Pouco a pouco, sem o teu calor;
A quem foi negada a oportunidade de envelhecer
Calmamente,
De brincar com os netos, apenas deixando o tempo passar,
De sentir o calor do Sol acariciar-te a pele,
E vê-la enrugar-se entendendo o curso da vida;
A você, que teve que fazer as malas, às pressas,
Mesmo sem vontade,
Mesmo sem entender o porquê, e entregar-se sem relutar
Ao implacável tempo que passava e te afastava de mim,
Que te roubava a vida... que você tanto amava...
A você que sofria com as injustiças, mas não viu tantas outras
Talvez mais cruéis, que aconteceram:
Fome, miséria, preconceito, desamor;
A você, por quem tanto chamei por todos estes anos,
De quem tanto perdi por não ter conhecido melhor,
Que tanta falta me fez, quando estive só...
Estive muito só.


A você, escrevo esta carta de amor,
Para te dizer
Que eu teria sido mais feliz com você por perto,
Que nunca estaria sozinha e teria aprendido a ser gente contigo;
Que teria te ajudado nas tuas doenças,
Que cuidaria da tua felicidade,
Que jamais teria te abandonado.
Teria te confidenciado os meus segredos
E visto muitas comédias com você;
Teríamos cantado juntas, embalando tuas netinhas,
Teria te compreendido muito bem.
E juntas, poderíamos apenas nos sentar
E ver o pôr-do-sol...

Não deu, mãe,
Quis o destino que eu vivesse tão só,
Que eu chorasse tantas lágrimas
Chamando-te em vão...
Lamentei demais a tua ausência, me revoltei,
Entendi e aceitei.
Embalei meu pai nos braços, quando ele chamava por você
E serenamente foi ao teu encontro.
Deus sempre colhe as flores mais belas para si,
E assim ficou este vazio que eu ainda sinto,
Vivo, ardendo no meu peito.

A você, que não viu
O rosto de tuas netas,
A queda do muro,
O fim do comunismo,
Da ditadura,
O desmoronamento das torres,
A União Européia,
O Tsunami,
O bebê de proveta,
A revolução tecnológica,
A perda da inocência das crianças,
Os meus primeiros cabelos brancos,
A AIDS,
A cura para a leucemia...

Eu digo que te amo,
Que lamento,
Que não entendo,
Que ainda choro...

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