Anna Traiano

Carta a uma mãe que não pude ter

A você, mãe,
Formoso rosto de uma antiga foto,
Imagem evanescente que se escoa a cada dia
Do papel que te vejo,
Escrevo esta carta de amor e de saudade.
A você, que não pode estar comigo quando me tornei mulher
Nem pode ver os tristes olhos de teu mais doce tesouro
Crescerem,
Pouco a pouco, sem o teu calor;
A quem foi negada a oportunidade de envelhecer
Calmamente,
De brincar com os netos, apenas deixando o tempo passar,
De sentir o calor do Sol acariciar-te a pele,
E vê-la enrugar-se entendendo o curso da vida;
A você, que teve que fazer as malas, às pressas,
Mesmo sem vontade,
Mesmo sem entender o porquê, e entregar-se sem relutar
Ao implacável tempo que passava e te afastava de mim,
Que te roubava a vida... que você tanto amava...
A você que sofria com as injustiças, mas não viu tantas outras
Talvez mais cruéis, que aconteceram:
Fome, miséria, preconceito, desamor;
A você, por quem tanto chamei por todos estes anos,
De quem tanto perdi por não ter conhecido melhor,
Que tanta falta me fez, quando estive só...
Estive muito só.


A você, escrevo esta carta de amor,
Para te dizer
Que eu teria sido mais feliz com você por perto,
Que nunca estaria sozinha e teria aprendido a ser gente contigo;
Que teria te ajudado nas tuas doenças,
Que cuidaria da tua felicidade,
Que jamais teria te abandonado.
Teria te confidenciado os meus segredos
E visto muitas comédias com você;
Teríamos cantado juntas, embalando tuas netinhas,
Teria te compreendido muito bem.
E juntas, poderíamos apenas nos sentar
E ver o pôr-do-sol...

Não deu, mãe,
Quis o destino que eu vivesse tão só,
Que eu chorasse tantas lágrimas
Chamando-te em vão...
Lamentei demais a tua ausência, me revoltei,
Entendi e aceitei.
Embalei meu pai nos braços, quando ele chamava por você
E serenamente foi ao teu encontro.
Deus sempre colhe as flores mais belas para si,
E assim ficou este vazio que eu ainda sinto,
Vivo, ardendo no meu peito.

A você, que não viu
O rosto de tuas netas,
A queda do muro,
O fim do comunismo,
Da ditadura,
O desmoronamento das torres,
A União Européia,
O Tsunami,
O bebê de proveta,
A revolução tecnológica,
A perda da inocência das crianças,
Os meus primeiros cabelos brancos,
A AIDS,
A cura para a leucemia...

Eu digo que te amo,
Que lamento,
Que não entendo,
Que ainda choro...

8 comentários:

  1. Irmã, adorei seu blog. Suas poesias são lindas. Bjs

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  2. Maravilha, adorei seu blog. Parabens. Indicarei nas minhas páginas, aguarde.
    Beijabrações & tataritaritatá!!!!!
    www.luizalbertomachado.com.br

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  3. Mãe,seu blog tá muito lindo,de verdade. Continue fazendo mais e mais! beijos,Heloísa.

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  4. Voce herdou do Romolo nao so' o gosto pela poesia, mas tambem um pouco do estilo dele, principalmente nestes textos fortes. Comovente! Bjs.

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  5. Numa manha chuvosa de domingo mais uma vez chorei. Nao por causa do tempo, ja estou acostumada, mas pela beleza e profunda tristeza desta carta que tenho certeza encontrou seu destinatario.
    Anninha, que coisa linda.
    Gostaria de estar por perto pra te dar um abraco bem demorado daqueles que nao requerem palavras.
    Beijos
    Edna

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